quinta-feira, 14 de março de 2024

 


TRISTEZAS DE ESCRITOR

 

                          Francisco Miguel de Moura*

 

 

quis recolher as emoções mais raras

de ternura, de amor, nos livros meus.

escrevi-as nos dias - noites claras -

nas caladas da vida,  o'  santo deus!

 

chorei dores daquelas sem aparas,

como sofrem, sem culpa, tantos réus

vivi vidas sem nome, de tão caras

como suster a fé entre os incréus.

 

tanto trabalho e tanta luta em vão!

frutos virgens apanho em meu declive

e, aos que passam, oferto e nem se dão...

 

por tudo, uma palavra nunca tive,

nem de consolo nem de compaixão.

tristezas de escritor só ele vive.

 

               

____________

  * Francisco Miguel de Moura, poeta brassileiro.

domingo, 3 de março de 2024

 


AUTO-RETRATO

 

                    Francisco Miguel de Moura*

                             

 

Olhos azuis do céu, puros, de monja,

Lábios grossos, mais alto um maxilar,

Se a boca fecha um bico faz-se no ar,

Mas quando ri, ri franco e sem lisonja.

 

Nariz perfeito, o corpo em linha certa,

Louro dolicocéfalo, do bem,

Comum inteligência. Para alguém

Pode ser chato, mas de mente aberta.

 

Leve, em pesado corpo, ai como voa!

Se alguém o  fere, fala mas perdoa,

Guarda as lições do bem, e o mal deplora.

 

Mas não é nenhum santo e não se acalma,

Se alguém lhe nega a consciência e a alma,

Mais feio fica, explode e xinga e chora.  

____________________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, Piauí.

 

 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

 


VAIVÉNS: TEMPO E AMOR

 

          Francisco Miguel de Moura*

 

O que faria não fez

com o faro do passado.

 

O futuro não lhe diz nada:

Voa como o vento em serrania.

E passa, e nunca é passado

e leva e lava a gente

na poeira dos olhos,

nas juras negadas.

 

Tento ser luz, aquela luz

que teus olhos me entregaram.

E em vão proclamo:

- Luz, me acende! Ou me cega de vez!

E ela se apaga, deixando-me ver tão só

o único caminho do tempo em naufrágio.

 

Nego o amor, aquele amor que morde,

que afogaria os afagos desejados

sem colheita sequer

da volta de um olhar

de fogo que seja:

 

- Quero morrer abrasado.

 _________

 *Francisco Miguel de Moura, poeta do Brasil.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

 


MORENINHA

  

       Francisco Miguel de Moura*

 

Moreninha d’olhos grandes,

consumi-me em teu espelho.

 

Nunca tive um bom recado

quanto o teu, adolescente!

Não era a nossa missão,

por isto rezamos terços

quando tudo apareceu.

 

Foste para mim a bênção

das que caem lá do céu,

não apenas em um ano,

mas num século, talvez!

 

Qual de nós era o cometa?

 

Acreditar é tão bom

e eu em ti acreditei

como anjo e ser humano.

 

O tempo é o grande cruel:

O que se passou, perdeu-se.

_________

 

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024


 

SOMBRA
         Francisco Miguel de Moura*

 

Tenho lido e relido em vários tomos,

E não vejo do tempo a claridade.

O amor, que era brinquedo, por vaidade,

Hoje só mostra a palhaçada, os momos.

 

O passado é a sombra do que somos:

Alegrias, tristezas, com saudade.

O passado é perfume, é amizade

Ou o que restou dos nossos cromossomos.

 

Não sei se o sol fugiu de mim tão cedo

Que nem lembro seus raios no arvoredo,

Nem me cegou sua luz por ofuscante.

 

Por que é que a vida me saiu tão triste?

Não sei nem quero. Mas, enfim, resiste,

A merencória sombra em cada instante.

 

__________________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro.

 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

 

PESTE!


Francisco Miguel de Moura*


Há mais gosto em tuas frutas

que nos frutos que tu comes

e eu vejo só a cor e o cheiro.

 

O sabor me dizes:

- Agreste!

 

Se eu comesse inteira

do teu corpo a roupa,

minha língua

ainda ficaria

com fome e sede,

com vontade do teu poder

de transformar o que comes

na saliva do meu gosto.

 

Até babo só de gozo

de nem a água de tua boca

poder beber.

- Peste!

 

__________________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro


.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024


A INTEIRA VOZ


          Francisco Miguel de Moura*

  

    Ser bela e jovem pela vida em fora,

    desejo ardente e tanto acalentaste,

    não percebendo as horas do contraste.

    como o florir da pedra que não flora.

 

    Mas sei quem foste, sei quem és agora.

   Verás, com pouco, a foto que ofertaste

   descorando qual flor que caiu d’haste:

   És teu pai de ontem, tua mãe de outrora.

 

   Contra as marcas das nossas aventuras

   verás, no que inda sou, tuas loucuras,

   teu futuro verás no que hei de ser.

 

   Tudo por si se acaba, não tem jeito,

   mas tua voz calada no meu peito

   há de durar comigo até morrer.

   __________

 *Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro.

 

 

 

 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

 


QUERENÇAS

 

               Francisco Miguel de Moura*

 

Quero ter a vaidade dos caminhos:

dão passagem, mas pouco dão abrigo.

Quero ter o orgulho do tufão,

Quero ter a tristeza do jazigo.

 

Quero sentir da tarde a lassidão

e a solidão da noite no deserto,

das pobrezinhas flores – o perfume,

como as nuvens – ficar no céu aberto.

 

Quero ter emoções de amor secreto,

sentir como se sente uma paixão,

pra cantar glórias e chorar amores.

 

Quero viver do ideal concreto,

quero arrancar de mim o coração,

incapaz de conter todas as dores.

 

_______                      

*Francisco Miguel de Moura, poeta do universo.

Este é meu primeiro soneto (“Areias”, 1966)

 

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